Em matéria publicada hoje, 5 de julho de 2021, no jornal O Popular, o superintendente técnico da Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, André Luiz Carneiro, fala sobre a realização de cirurgias cardíacas no hospital.
Atualmente, para manter a realização destes procedimentos e garantir o atendimento aos pacientes, a Santa Casa precisa de R$ 100 mil mensais para complementar os valores pagos pelo SUS.
Fila por cirurgia cresce em GO
Saúde Pública – Pacientes com problemas cardíacos enfrentam dificuldades para serem atendidos pelo SUS e hospitais credenciados precisam utilizar recursos próprios
Em Goiás, crianças e adultos que necessitam de cirurgias cardíacas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ampliam uma fila de espera dos procedimentos. A situação tem causas específicas, sendo a principal delas: a defasagem no valor pago por dispositivos descartáveis utilizados em cirurgias cardíacas. O valor não sofre reajuste há 18 anos e, com a pandemia e alta do dólar, as indústrias ameaçaram deixar de fornecer os materiais. Na Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, principal unidade do Estado ofertar os procedimentos adultos, pelo -250 pacientes aguardam pelas cirurgias. Já no Hospital da Criança, único operar crianças em Goiás, apenas casos urgentes são realizados.
Gabriella Sertão tem 11 anos e em setembro do ano passado foi diagnosticada com Comunicação Interarterial, conhecido como sopro. No mesmo mês do diagnóstico, a Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (Abimo) emitiu uma nota alertando para possível interrupção no fornecimento dos materiais ao SUS. O documento dizia que nos últimos cinco anos, reuniões constantes haviam sido feitas com o Ministério da Saúde, mas sem sucesso. O cenário nacional deixou Gabriella em uma fila invisível sem previsão de atendimento.
A menina, que mora em Trindade, na região Metropolitana de Goiânia, fui atendida e diagnosticada no Hospital da Criança, na capital. A unidade de saúde é credenciada ao SUS e há décadas é a única a ofertar cirurgias às crianças no Estado por meio do sistema público de saúde. A regulação, entretanto, é feita pela Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia e, por esse motivo, o Estado afirma que a responsabilidade é da capital. Sem acordo firmado, o hospital privado passou a usar recursos próprios desde maio para evitar a morte de crianças, mas prioriza os casos urgentes. Diretora clínica do hospital, Paula Pires afirma que a solução ideal seria se secretaria do Estado e município complementassem os materiais fornecidos pelo Ministério até que a tabela SUS sofra o ajuste exigido. Enquanto isso não ocorre, algumas crianças esperam em casa.
“Priorizando o atendimento das crianças já internadas e os casos mais graves. É possível que o atraso nas cirurgias piore o prognóstico. E pode haver óbito. É uma situação também angustiante para nós. Mas não temos como financiar o tratamento de todos os pacientes. Essa função e do poder público: União, Estado e municípios. As crianças de cirurgias eletivas, que são agendadas, estão sendo avaliadas diante das disponibilidades material”, completa Paula.
Mãe de Gabriella, Simone Sertão, de 33 anos, disse que não sabe o que fazer. A menina, também espera há anos por uma cirurgia nos ouvidos e já teve perda de audição, sem resposta do poder público. “Ela sente enjoo, tontura, dor de ouvido e tem crises de ansiedade. Gabriela quer brincar, quer correr, e agora se preocupa com a demora da cirurgia. Na escola, chora por que não poder, por exemplo, ir ao pula-pula. Sei que muito do que ela está sentindo é emocional, mas não sabemos o que fazer”, diz.
Superintendente da Abimo, Paulo Henrique Fraccaro, ressalta que os hospitais públicos não possuem condições de comprar materiais importados, que sairão ainda mais caros. Entre os principais dispositivos está o oxigenador.
Demora pode matar
Cirurgião cardiovascular, presidente da Cooperativa dos Cirurgiões Cardiovasculares de Goiás e membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, Wilson Luiz da Silveira diz que, em Goiás, os principais hospitais a operar adultos pelo SUS são a Santa Casa de Misericórdia de Goiânia e o Hospital Evangélico de Anápolis. Neste último, ele disse que a fila atual é de 47 pacientes. Wilson pontua que mesmo os pacientes considerados eletivos, podem sofrer complicações com a demora no atendimento.
O problema, segundo Wilson Silveira, é que mesmo alguns pacientes não sendo classificados como urgentes, a espera para eles pode ser fatal. “Pacientes coronarianos podem enfartar, por exemplo”, diz. Procurados, Ministério da Saúde e secretarias de Saúde do Estado e município não se pronunciaram até o fechamento desta matéria.
Santa Casa vai pagar R$ 100 mil
Unidade de saúde com maior número de cirurgias cardíacas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a Santa Casa de Misericórdia de Goiânia realiza, anualmente, mais de 500 cirurgias em adultos. A média mensal, de quase 50, sofreu problemas com a pandemia, com parte dos leitos de Unidade Terapia Intensiva reservados para casos de Convid-19 e também porque, em maio, chegou paralisar os atendimentos diante do reajuste de valores por parte das indústrias. Hoje, a lista de espera eletiva acumula 237 nomes. Para suprir 10 cirurgias semanais, hospital que é filantrópico, vai precisar de aproximadamente R$ 100 mil para complementar o valor dos materiais.
Superintendente técnico da unidade, André Luiz Carneiro explica que, desde abril, os fornecedores suspenderam o fornecimento dos materiais pelo valor da tabela SUS. “Fomos informados que só receberemos os kits caso fossem pagos de forma particular e isso significa um valor de 140% acima do pago atualmente pelo Governo Federal. Nesse contexto, tentamos negociações com a Secretaria Municipal de Saúde, mas, sem solução, assumimos o ônus. O paciente não pode ser prejudicado e isso iria, inclusive, contra o princípio da Santa Casa”, completa.
André Luiz disse que foi feita uma negociação com as indústrias e hoje a Santa Casa paga a diferença no valor cobrado. Dessa forma, precisa desembolsar R$ 100 mil a mais por mês para que o serviço não seja paralisado. Com 20 leitos de UTI, sendo 10 reservados para pacientes Covid-19, a unidade estabeleceu a meta de 10 pacientes cardíacos por semana, que passam pelas cirurgias. Se o número de urgentes for menor, eletivos são incluídos. “Apesar de estarmos na capital, a maior parte dos nossos pacientes é do interior. Ainda assim, não tivemos respostas do Estado. Estamos comprando para pagamento em 90 dias e precisaremos de um remanejamento financeiro”, finaliza.
Situação é de angústia, diz associação
Coordenadora da Associação Amigos do Coração, que reúne famílias de crianças com cardiopatias congênitas em Goiás, Martha Camargo disse que a situação é de angústia. Diariamente, pais e mães com crianças em busca de atendimento público pedem ajuda sem conseguir exames, cirurgias e, em alguns casos, sem noção completa da realidade que envolve as malformações no coração. Muitas crianças aguardam em casa, sem acesso a nenhuma informação.
“A situação é de alto risco. Angustiante. Essa fila só não está maior porque temos o problema da regulação em relação às consultas ambulatoriais e exames. Temos pacientes aguardando há seis meses para uma simples consulta com cardiopediatra. Quando esse paciente chega À cirurgia, o coração já não aguenta mais. Temos pacientes graves em casa, sem acompanhamento médico”, completa Martha.
Não há como precisar as filas infantis, mas o cardiologista Wilson Luiz da Silveira explica que na unidade três médicos atendem crianças pelo SUS. “Apenas na minha fila são 15 crianças”, completa. Eliane pontes, que também coordena o grupo de famílias, acrescenta que não há como precisar as filas porque as crianças não estão internadas. “Estamos estarrecidos com descaso com essas famílias. O coração é um órgão silencioso e existe um tempo hábil para a cirurgia cardíaca. Se perde esse tempo, não há como fazer nada. E quem vai pagar essa conta? A quem recorrer?”, questiona.
Só casos graves são atendidos
Laura Tannus é cardiopediatra e é ecocardiografista infantil. Atualmente é responsável pelo ambulatório de cardiopatias congênitas e adquiridas na infância no Hospital Materno Infantil. Ele explica que é unidade não dispõe do serviço de cirurgia cardíaca, mas que com o ambulatório acaba tendo que encaminhar pacientes via regulação para o Hospital da Criança, mas que somente casos graves estão sendo operados. As operações, segundo ela, acontecem hoje em casos graves como das cardiopatias dependentes de canal – nas quais sem internação para a medicação e cirurgia as crianças não têm a mínima chance de sobreviver – ou ainda casos críticos – geralmente relacionados a diagnósticos tardios.
A médica, que também integra a equipe do Hospital da Criança, explica que muitas vezes o processo de regulação é concluído mas os hospitais não chamam para internar de forma eletiva. (O Popular, 05/07/21)